Autor: Pedro Fagundes de Borba
Quem é gaúcho ou conhece a dupla Grenal certamente já ouviu dizer que o Grêmio seria um clube racista e segregacionista enquanto o Internacional seria um time popular e inclusivo, o “Clube do Povo”, como estes se autointitularam. Tal ideia foi muito propagada e difundida o que fez com que fosse sendo mesmo aceita como verdade. Mesmo gremistas, por não saberem em profundo os detalhes e verdades por detrás desta história acabaram comprando tal ideia absurda sem ver o que realmente aconteceu, por isso também achando ter nisto a verdade. O que faz muitos gremistas até hoje não falaram tanto sobre, ficar um tanto sem jeito quando isto aparece, exatamente por pensar se tratar de algo verdadeiro. Porém, isto é uma falácia construída com o tempo, que precisa ser desmontada.
Sobre a questão do racismo em si, a coisa é bem mais intrincada do que a dicotomia proposta, envolvendo os dois times. Por serem do início do século XX, Grêmio de 1903 e Internacional de 1909, o racismo ainda era muito mais do que latejante no Brasil, especialmente por a escravidão não haver terminado não havia nem 20 anos. E ainda tem-se o racismo brasileiro, mais intrincado e sutil que outros, por vezes manifestado de forma indireta, mas ainda assim profundamente real. Nesta realidade, perpassava este todos os setores sociais brasileiros, com o futebol, mesmo o futebol gaúcho, não foram tão diferentes.
Falando propriamente sobre os times, o Grêmio surge primeiro, em 1903. Criado na chácara Mostardeiro, do casal de mesmo nome, é o primeiro time gaúcho grande, com maior estrutura. Não foi o primeiro time do estado, mas o primeiro a ser grande. Criado no ainda simples bairro Moinhos de Vento acabaria sendo um dos fatores, não o principal, a levar ao crescimento deste. Sobre o time, mais especificamente, outra fama que lhe acompanha até hoje é o de ter sido criado por alemães e só ter aceitado alemães ou descendentes. O que também é falacioso, pois não apenas havia não alemães entre seus fundadores como não havia qualquer cláusula ou lei do clube limitando aos sócios e membros a tal etnia ou restringindo qualquer outra. Havia algumas triagens para se associar, mas não baseadas em critérios raciais, sendo mais relacionadas a um bom histórico. Quanto ao Internacional, surgido em 1909, o principal objetivo de sua criação era a de alguém que rivalizasse com o Grêmio, uma vez que o time até então era praticamente imbatível no futebol gaúcho. O que aconteceria, mas levaria mais tempo, o Inter tendo apanhado para o Grêmio até a década de 1930. Toda a retórica colorada de “Clube do Povo”, de o nome Internacional ser por ser um time onde todos poderiam jogar (em uma suposta contraposição ao Grêmio) são invenções posteriores que não correspondem às origens do time em 1909.
Diretamente sobre a presença de negros nos dois clubes, até a década de 1930 esta questão foi mais parelha entre os times, nenhum deles tendo isto como uma pauta, ou algo que lhes era caro. Surgidos num contexto em que futebol era coisa da elite ou classe média (em muito sentidos ainda é, apesar da popularização do esporte) os pobres e negros, estes últimos muitas vezes os mais pobres pelas condições do negro no Brasil, pouco assistiam e jogavam ainda menos, ficando excluídos do esporte. Na dupla Grenal, por ironia vendo o que se disse depois o Grêmio foi o primeiro a ter de fato um jogador negro, Adão Lima, em 1925. Antes disto até houve pequenas passagens de outros, mas menos marcantes. Mas Adão foi o primeiro maior. Eurico Lara, o craque imortal do hino, também era mulato, desmentido a noção de que o Grêmio seria mais racista. Lupicínio Rodrigues, um dos maiores compositores do Brasil, era negro e gremista fanático, tanto que o hino do time foi por ele escrito, também mostrava a proximidade que o Tricolor desenvolvera com diversos setores sociais, tanto negros quanto pobres. E o Grêmio pode também se considerar privilegiado neste sentido, pois nem todos os clubes têm um gênio da música na autoria de seu hino.
Porém, a partir da década de 1930, o Internacional adotou uma nova estratégia, sob a qual embasa a noção hoje muito defendida pelo senso comum. Como ainda era um time bastante mais fraco e com menos estrutura, além de ter sido muito afetado pela crise de 1929, passou a contratar mais jogadores negros, pois podia pagar menos a estes, uma vez que a vulnerabilidade social torna pessoas mais aptas e propícias aceitar piores condições. Nisto, acabou conseguindo também fortalecer o time, pela primeira vez superando o Grêmio e lhe vencendo algumas vezes depois disto. A partir daí, começou a criar a imagem e ideia de “Clube do Povo” e de ser aberto e tolerante racialmente, criando a ideia de que sempre teria sido assim, enquanto que o Grêmio não. Uma jogada genial de marketing deve-se admitir, talvez a maior que o colorado já fez.
Pegando os primeiros anos dos clubes, esta é a realidade. Surgidos em períodos mais racistas ainda do que agora, mantiveram uma conduta parecida até que um resolveu abraçar a causa para ter melhor imagem. Nenhum foi propriamente excludente em algum momento, mas flutuaram no racismo brasileiro, muitas vezes discriminando indiretamente ou cometendo atitudes racistas, que trespassam questões de clube e se tornam nacionais. Com o passar do tempo, ambos se popularizam bastante, sendo bastante errado ver recortes de classes entre as torcidas. Nunca foram, na verdade recortados sob classes sociais ou pautas políticas, mas hoje menos ainda, os dois abrigando torcedores dos mais diversos pensamentos. Há times de futebol no mundo que são fundados em cima de tais pautas ou por ela se sustentam o que não é o caso de Grêmio e Inter.
O Tricolor se consolidou como o maior time do sul, assim sempre foi tendo maiores vitórias e formas. Sempre foi um dos gigantes do futebol brasileiro, encantando o povo gaúcho e dele conseguindo grandes paixões. A minha inclusa, por toda sua história, força, hino, imagens e o que mais lhe compõe. Fico feliz de ajudar a tirar a imagem negativa nele injustamente colocada. Muito do que usei e disse neste texto foi embasado no livro “Somos azuis, pretos e brancos” do jornalista Leo Gerchmann, uma obra importante para esclarecer pontos delicados do futebol.