Autor: Pedro Fagundes de Borba
Como o personagem principal do grande livro de Albert Camus, “O estrangeiro”, Meursault tem sido uma das figuras mais marcantes e reflexivas da literatura desde a década de 1940. O escritor argelino, refletindo a realidade de seu país, nas contradições coloniais e nas disputas, trouxe junto consigo uma filosofia e uma construção de personagem que refletem um estado de espírito e uma postura no mundo a qual fala de um dos problemas surgidos e aumentados desde o século XX que é um sentimento de indiferença e incapacidade de enxergar e valorizar a vida.
Em si, esta é mais uma leitura possível do personagem, o qual pode ser também apenas um psicopata, incapaz de sentimentos ou de maiores sentimentos pelos outros ou pelo que acontece. Famosa a abertura do livro, onde narra friamente o anúncio da morte da mãe e os preparativos para o enterro, onde não se percebe nenhum grande sentimento pela perda dela. Também famosa a cena em que atira e mata um árabe na praia, na costa argelina. A qual remete as confusões de um amigo, misturado com um sadismo. Depois é julgado.
Ao longo do livro inteiro, no entanto, o que mais marca é a apatia e indiferença com que narra tudo de maneira muito fria e desapaixonada. Por isto Meursault coloca a vida em um tom no qual se sente e se questiona sua existência, sua valorização e a maneira como isto é refletido em seus atos e na pessoa que é. Tal tom dá ao livro um niilismo muito forte, ao qual Camus foi e voltou ao longo de sua curta vida, finalizada por acidente de carro. Tal sensação perpassa o livro, dando uma literatura carregada deste tom vazio e tenso em que está o protagonista.
Para além da real personalidade do personagem, se destaca todo este tom passado, que tem aumentado do século XX. O qual delimitava certo desencantamento pela vida, e manifesta em algumas formas, levando a uma insensibilidade e incapacidade de ver. A qual, em uma representação literária, reforça o poder desta de mostrar a vida em sua essência mais profunda, levando a visões dos aspectos mais reais e contraditórios da vida, seus paradoxos mais reais. E assim mostrar o escrito como aquilo que revela sua existência mais forte e as formas e ideias que pode atingir.