Autor: Pedro Fagundes de Borba
Influenciado pelo contexto e estética romântico, muito motivado pelos ideais burgueses que estavam surgindo e ganhando hegemonia, Victor Hugo criou diversos de seus personagens e tramas. Bastante motivado pelo ideal de liberdade, igualdade e fraternidade, o autor usou muito de sua habilidade literária também como maneira de falar sobre injustiças e problemas sociais. Isto ficou já bem visível em um de seus primeiros livros “O último dia de um condenado”. No qual acompanha a véspera da execução de um condenado a morte, passando por seus vários sentimentos e seu constante pressentir e presença da morte iminente. Com isto, estrutura a narrativa para que mostre a sensação e a própria penalização em si, contrariando os ideais liberais em ascensão.
Mais para frente em sua carreira literária, Victor Hugo continua com esta estética romântica marcada pelo social. De falar de problemas sociais e culturais de diversas formas. Fez isso em obras como “Notre Dame de Paris” (“ou “O corcunda de Notre Dame”) e “Os trabalhadores do mar”. Porém isso se tornou mais acentuado e visível em sua principal obra: “Os miseráveis”. Nela, conseguiu criar personagens marcantes numa trama igualmente marcante. Cada personagem trazendo aspectos e características importantes dos tipos sociais que representavam. O que não significa dizer que tais personagens sejam realistas ou representem um jeito humano. São muito mais idealizações, figuras que reúnem características presentes em diversos dos tipos humanos que representam. O exemplo do cruel casal Thénardier, representaria certa ralé, que é miserável, passa muitas dificuldades e responde isto sendo cruel. Passando outros para trás e maltratando quem podem, como a pequena Cosette na obra. Além de serem interessados apenas em dinheiro. Não são muito factíveis como seres humanos, mas remetem a aspectos que podem ser encontrados em vários.
Porém, nesta obra, talvez, o personagem que mais se destaca para o levantamento de aspectos sociais, bem como o enquadramento romântico dado, seja o inspetor de polícia Javert. Que em si, como personagem é pouco factível, mas traz a complexidade e os meandros da justiça. Não como justiceiro admirável que cumpre a lei e faz o que os outros deveriam fazer, como se fosse algum precursor dos super heróis, mas como alguém que leva a justiça às últimas consequências, não sabendo ver e avaliar momentos. Ele aplica invariavelmente a justiça, sempre prezando por ela independentemente do que acontecer. Levando a justiça desta forma, não se constitui como um salvador ou como um protetor, mas como alguém que persegue muitas vezes, prejudicando diversas pessoas.
Javert materializa isto na obra durante os anos que passa perseguindo Jean Valjean, pelos crimes que o antigo condenado já havia pagado. Mas para Javert Jean seria um criminoso permanente, o qual não seria mais limpo. Em seu senso e visão de justiça, deveria persegui-lo e prendê-lo. Criou este senso baseado muito em si mesmo. Filho de prostituta e de um condenado nas galés sentia forte vergonha, se vendo como cria de um meio ruim. Por isso, teria desenvolvido o aspecto de justiça. Tal sentimento se encontra num dilema insuperável para si quando, durante uma rebeldia de estudantes, é capturado e feito prisioneiro por eles. De lá, é salvo por Jean Valjean, que o liberta. Fora libertado pelo homem que passara tanto tempo perseguindo. Neste momento, se o prendesse demonstraria ingratidão. Se não prendesse, falharia com a justiça. Não vendo solução possível, comente suicídio se atirando no rio Sena.
O personagem em si possui este aspecto de pouco provável na medida em que comete ações que poucos fariam na vida real. Tanto pela razão de seu suicídio quanto pela maneira de conduzir a justiça. Pois, além de muitos policiais reais serem corruptos, a justiça em si possui muito mais meandros e nuances, que não a deixa desta maneira. O romantismo toma aqui sua forma social, marcado por uma visão exagerada e sentimental em cima de aspectos reais e coisas existentes. Victor Hugo consagrou um personagem que levanta a justiça em um nível abstrato e total, a colocando em um nível forte demais. Também assim denunciando questões sociais. Javert é por isso esse personagem marcante, mostrando e representando a justiça em suas contradições, regado pela força da estética romântica.