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Pedro Fagundes de Borba

Autor: Pedro Fagundes de Borba

A escravidão brasileira

19/3/2023 - Várzea Paulista - SP

     Uma vez que cada país e suas realidades são moldados por suas instituições, quando estas são instauradas e se consolidam, tudo que está em redor passa a sentir e ser por ela moldada. A realidade, baseada em suas características materiais, reverberadas em instituições e ações políticas, se molda e reproduz baseada naquilo que se consolidou, se tornou parte daquela realidade. Desse modo, tudo que ocorre passa por ali, por esta força institucional. Mesmo quando medidas são tomadas e instituições são modificadas, ainda assim podem ficar resquícios e ações daquela forma antiga. Especialmente quando há fatores culturais envolvidos, e estes muitas vezes permanecem.

    No caso do Brasil, uma das instituições que mais estiveram presentes no país, e que o moldou muito fortemente, foi à escravidão. Instituída aqui no contexto das grandes navegações e da colonização da América, foi usada para uso de mão de obra e trabalho principalmente braçal no que as metrópoles faziam em suas colônias. Assim, se institucionalizou e se pôs o trabalho escravo como uma característica social das colônias americanas, a fim de manter a produção. A realidade colonial foi assim pautada, tendo sido posteriormente base para as realidades nacionais. Assim, tais realidades ficaram muito marcadas pela escravidão, assim como as estruturas dos países.

   Nesta época, a escravidão era baseada na cor, tendo escravizado negros, vindos da África. Por serem considerados não humanos, se dizia que podiam ser escravos. Os quais aqui eram apenas isto, tendo uma vida apenas de trabalho escravo, açoites e nenhuma remuneração. Além de serem trazidas a força, ficando distantes de suas terras e culturas. Tal condição moldou decisivamente todos os países americanos, além das realidades dos negros neste continente. Toda a condição e realidade negra são marcadas por isto, do Alasca a Terra do Fogo, cada lugar com suas especificidades locais.

  No caso específico do Brasil, institucionalmente não houve tanta diferença em relação a países como Estados Unidos e Argentina. Porém, em quantidade, recebeu mais. Por isso também houve maior e mais intenso uso de mão de obra escrava no Brasil, embora não de maneiras diferentes. Eram as mesmas maneiras, porém em maior quantidade. E continua tendo reverberações na realidade brasileira, assim como nos demais países. Tanto pelo racismo, que continua discriminando e barrando pessoas negras, quanto mesmo por casos de trabalho escravo mesmo.

   Atualmente, esta instituição se encontra redesenhada através de trabalhos sem remuneração, em condição subumana, que prende as vítimas através de dívidas. Pois são oferecidos empregos em outros estados, nos quais o trabalhador sem dinheiro terá de arcar com as despesas da viagem, alimentação, alojamento entre outros. Que é o local onde será escravizado. Onde todos os preços são super faturados. E sem pagar não pode sair. Como só consome lá, a dívida sempre aumenta o deixando preso ali. Não é mais uma escravidão marcada pela cor, pois brancos também podem ser aliciados para isto, mas pega resquícios da estrutura e institucionalidade escravocratas, outrora oficializadas no Brasil. Os casos mais recentes foram os trabalhadores resgatados das vinícolas de Bento Gonçalves/RS e do fabrico de açúcar no interior de São Paulo.

   A realidade brasileira ainda possui muitos aspectos em sua institucionalidade que permitem isto, associada também com uma cultura muito escravocrata. A qual permite condições subumanas de trabalho. Está longe de ser problema nacional, pois acontece ao redor do mundo, mas também guarda profundas características nacionais em seu modo de ser, baseado em sua história. Analisando a história brasileira e como foi desenhado, se lança o desafio para o combate a tais crimes.

   Tal maneira só será possível com profundas mudanças nas instituições e no estado brasileiro, tanto em maior fiscalização e punição para os envolvidos nestas ações quanto pelo desenvolvimento de remodelagens sociais, que permitam melhores formas de produção e saibam fazer uso justo do trabalho e daquilo por ele produzido. Só com a política se podem enfrentar problemas tão dimensionais ao Brasil. O povo brasileiro é forte, poderá conseguir melhorar e também achar caminhos para sua justiça e dignidade. O Brasil será um país que corrigirá seus problemas, pois pode entender a si.              

 
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