Autor: Pedro Fagundes de Borba
A literatura brasileira, composta de grandes clássicos e obras consagradas, é uma das grandes criações, capazes de falar sobre aquilo que colocam. Neste sentido, inúmeros autores já escreveram no Brasil, alguns ficando marcados outros não. Um dos livros brasileiros mais subestimados de todos, no sentido de precisar ter muito mais reconhecimento do que tem é “Bom Crioulo”, de Adolfo Caminha.
Sendo escrito dentro da estética naturalista, buscava retratar um ultra-realismo, associando mesmo com os aspectos do meio e da natureza. Falar sobre um espaço e suas pessoas indo num realismo associado com o cientificismo da época. Autores naturalistas buscavam esse cientificismo em maior ou menor grau, baseado no que o escritor pensava. No caso de Adolfo Caminha, existe uma relação com alguns aspectos naturais e biológicos, mas o texto tem pouco foco nisso. Porém trata de uma questão extremamente realista e pertinente que é a questão racial no Brasil e as relações que se formam e existem baseados nisto.
O personagem principal é Amaro, um ex-escravo de 30 anos que após sair dessa condição, não sabemos exatamente se alforriado ou fugido, se torna marinheiro. Na marinha, passa a se envolver com o jovem Aleixo, de 15 anos, loiro de olhos azuis. Ao longo do tempo, os dois personagens se envolvem, tendo relações sexuais. Na época, marinheiros ainda eram chicoteados. E, por insubordinação durante alguns castigos, Amaro, cujo apelido é Bom Crioulo, é preso. Então Aleixo se envolve, durante este tempo, com Carolina, prostituta portuguesa de 38 anos, antiga amiga de Amaro.
Em torno disto, gira o enredo, conduzindo um entrelaçamento de questões raciais e homossexuais também. A atração entre Amaro e Aleixo ganha uma dimensão literária e representativa muito forte, à medida que mostra um desejo mutuo não apenas proibido, como também permeado de questões sociais e culturais que afetam ambos, de suas respectivas maneiras. Focando sobre a questão racial, o livro apresenta um protagonista marcante e que foi mal explorado na literatura brasileira, o escravo alforriado. Tal figura representava muitos aspectos marcantes do Brasil, tanto através da “liberdade” que tinha numa sociedade escravista, estando por isso em posição diferente a de muitos negros, como também alguém humano que tem suas características e jeitos, vivendo-a naquela sociedade. Assim, entrelaçado com a questão sexual, Amaro sente diversos desejos em Aleixo que o refletem e o fazem ser um personagem muito humano. E todos os desdobramentos e o desfecho da história estarão diretamente relacionados com todas essas contradições e desejos.
Entre várias obras marcantes da literatura brasileira, esta ainda não teve o devido reconhecimento. Em seu tempo, foi massacrada pela crítica e ignorada pelo público. Embora atualmente tenha conquistado alguns méritos, principalmente por ser um dos primeiros romances do mundo a trazer homossexuais, seu reconhecimento ainda está muito aquém do que merece. Especialmente pela brutalidade e humanidade com que retratou as questões raciais e sexuais, as entrelaçando tão bem. Além de falar de um alforriado de uma maneira muito humana, nas contradições de sua condição e da marinha. O livro usa um tom e um retrato pouco usado literariamente, os quais representam muito de como somos na vida. Mas agora, com o aumento do reconhecimento das questões raciais e sexuais, o livro e Adolfo Caminha irão gradualmente obter maior reconhecimento, o vendo como um dos autores mais bem atentos ao ser humano profundo, ao que ele é enquanto pessoa durante sua vida. O autor que acerta isso crava forte a essência e valor da literatura.