Autor: Pedro Fagundes de Borba
Uma das marcas da literatura brasileira é o indianismo. Que, essencialmente, consistia em fazer literatura sobre índios, falando sobre eles, os usando como figuras ou contando fatos históricos envolvendo índios. Muito desta imagem estava associada à ideia de moradores nativos, os originais do Brasil. Como os colonos portugueses, dos quais descendia a maioria dos autores, fizeram todo um extermínio e uma destruição dos povos e culturas, estas foram substituídas por uma versão colonial da cultura portuguesa e europeia. Assim, ao falar de índios, se estaria se falando sobre o Brasil verdadeiro e profundo, em oposição à cultura e condições europeias dos colonos.
O primeiro autor a fazer uma grande obra em cima dos índios brasileiros foi Basílio da Gama, autor ainda do período colonial, autor de “O Uraguai”. Nesta obra, encomendada para execrar jesuítas, narra-se os eventos da Guerra Guaranítica, onde padres jesuítas e índios lutam contra Portugal e Espanha para não saírem de suas terras, modificadas pelo Tratado de Madrid, e não perderem as missões. Derrotados, o Rio Grande do Sul é submetido à governança de Marquês de Pombal e Gomes Freire de Andrade, anti jesuítas.
Na obra de Basílio, os índios aparecem lutando por suas terras, resistindo aos exércitos e tentando negociar com os militares. Porém são derrotados, perdendo suas terras e formas de vida. Aqui aparecem majoritariamente de maneira realista, por o poema se colar em um evento histórico. Existem na parte da derrota, alguns aspectos que remetem às trevas e ao cristianismo, por refletir uma derrota, mas não necessariamente como índios interpretariam a situação.
Enquanto Basílio da Gama, poeta arcadista, se colou e falou de um evento real, por isso mostrando índios reais, após a Independência do Brasil surgirá um novo projeto estético. No contexto do surgimento de um novo país, associado com o romantismo, a ideia do índio ganha uma nova forma no Brasil, que se torna a mais conhecida. Para criar ou falar de uma identidade nacional, a fim de falar sobre este país independente, foi-se buscar nos indígenas este brasileiro, esta representação do Brasil profundo e real.
O romantismo como a corrente estética em voga na época, este projeto literário nacional estava muito associado a ele. Então os índios literários precisariam refletir estes valores e ideais românticos. O autor mais famoso desta estética foi José de Alencar, escritor e deputado imperial. Em suas obras indianistas, “O guarani”, “Iracema” e “Ubirajara”, retrataram personagens índios profundamente ligados a cultura e valores europeus, mas colocados num contexto e formato de ocas e florestas. Também escreveram Alencar, no mesmo estilo, diversas outras obras a respeito de outros tipos e povos brasileiros.
Outro autor importante para esta estética foi Gonçalves Dias, este um poeta indianista. Em seu poema “I-Juca Pirama” fez um retrato de um índio heróico, o qual deve orgulhar o pai e escapar da tribo que o aprisionou. Também retrata uma série de valores e de ideias europeias postas num índio. Como autor romântico, vai para um romantismo um pouco diferente de Alencar, mas mantendo a mesma linha indianista. Tal pensamento, junto com o declínio da estética romântica e o envelhecimento de seus ideais ao longo do século XIX, fizeram tais obras serem vistas como distantes da realidade e mesmo ridículas.
O indianismo foi esta corrente artística que tentou falar sobre os originários do Brasil, mas estando distante do que eles foram e são. Muito pelos valores que buscava expressar, diferente de Basílio da Gama que falou sobre índios reais em contexto histórico. Foi, ao menos, uma expressão de uma cultura brasileira do começo da Independência, que estava querendo valorizar cultura europeia sem falar dos europeus. Como maneira de se falar do Brasil real. Mas não há Brasil sem colonização, pois este é uma criação e delimitação dos colonos portugueses. Só se pode realmente entendê-lo mesclando os aspectos europeus com os nativos.
Por este fator, o indianismo foi um tanto enfraquecido, apesar de ter gerado autores como Gonçalves Dias, que possui uma força poética narrativa real e bela. Fala-se sobre o pensamento brasileiro e uma primeira forma de identidade nacional oficial. Assim, se entende o Brasil em seu contexto romântico, vendo como sua literatura e arte ali foram feitas. O indianismo continua sendo uma fonte para vermos como pensamos os índios e os brasileiros também. Sua construção e delimitação artística trazem a tona esta arte brasileira, e o que nela foi refletida. Em sua história, o Brasil consegue se enxergar e vir, criando assim um país culturalmente rico. Os autores posteriores melhoraram muito. Mas muito ainda se tira do indianismo e da ideia de índios.