Autor: Pedro Fagundes de Borba
É dispensável chamar o capitalismo de explorador e desumano. A extrema miséria em que vive a grande maioria de sua população prova isto, e se sofistica com as análises e estudos. Como formação, em suas realidades políticas e sociológicas, tem como principal base a circulação de capital. Como a acumulação do capital é a maneira de se prosperar no capitalismo, a realidade se pautará através disto, influenciando outras áreas. Isso não significa que não exista um estado estruturado, que controla e mantém as relações capitalistas, ou que essa estrutura social não possua capacidade de se modificar. Mas as relações econômicas também influência decisiva nestes processos. E a maneira como o capitalismo se organiza faz com que haja grande desigualdade e miséria, que tende a ficar cada vez maior e mais severa.
Em tal realidade, muita luta já foi feita, resultando em modificações e medidas do próprio estado para que fossem melhoradas tais condições, permitindo vidas e realidades um pouco melhores, normalmente pressionados por movimentos sindicalistas, que influenciaram decisivamente a postura e as relações dos estados com suas populações. Durante o século XIX, enquanto o sistema se consolidava como resultado das revoluções francesa e industrial, as teorias de oposição surgiam. Os primeiros foram os hoje chamados socialistas utópicos, entre eles Saint Simon, Charles Fourier e Robert Owen.
Destacando este último, foi o que teve as práticas mais utópicas, sendo por vezes visto até mais como reformista do que como socialista. Isto porque suas questões políticas estavam voltadas para um ambiente coletivista, que ele várias vezes tentou pôr em prática. Em todas elas, Robert Owen era industrial, consistia basicamente em criar colônias igualitárias, com condições iguais para todos, que acabou fechando. Filho de modestos artesãos tinha conseguido galgar socialmente, se tornando diretor de importantes fábricas escocesas. Antes da fundação de suas colônias, tinha reduzido jornada de trabalho e se preocupado com a qualidade de vida dos operários, construindo até escolas. Acabou fundando também as primeiras cooperativas, vendendo um pouco acima preço de custo. Junto com os demais, foi bastante criticado pelos socialistas científicos, Marx e Engels, por não se basear numa visão mais sistemática, que abordasse a história do capitalismo e da humanidade de maneira mais ampla. Marx e Engels, por sua vez, viam como necessário o fim do sistema capitalista, através de uma transição ao socialismo e posterior adesão ao comunismo, com a extinção do estado.
Com estes caldos e fermentações, de crítica e de oposição aos muitos problemas sociais existentes, vão surgindo medidas que levam a criação de estados de bem estar social. Muitas vezes como maneira de abrandar manifestações e reivindicações populares, mas também para melhor estruturar as sociedades. O primeiro país a ter direitos trabalhistas foi à Alemanha, em seu processo de unificação, liderado pelo chanceler Otto Von Bismarck. Bismarck fez isso como maneira de garantir estabilidade nacional. Garantindo proteção contra alguns riscos sociais, conseguiu manter mais harmonia interna, associada com melhores condições de vida e seguridade.
Ainda no século XIX, em seu final, para além de vários movimentos de natureza mais socialista, como a comuna de Paris, houveram alguns também voltados para um estado de bem estar social. No Brasil mesmo, no início da república, houve, regionalmente, algumas medidas similares. Júlio de Castilhos, presidente do Rio Grande do Sul nos anos 1890, fez algumas. Como a criação e regulação de um estado que teria ampla participação, veria seus problemas e buscaria soluções. A forte administração estatal tinha entre outros objetivos, o fortalecimento de um estado republicano. No qual estariam inseridas questões de melhorias sociais, gerando melhor sociedade. Assim, ficaria socialmente melhor.
A primeira constituição a garantir direitos trabalhistas e preocupação com questões sociais foi à mexicana, em 1917. Surgida e influenciada diretamente pela revolução mexicana, trazia muitas das pautas e questões que haviam eclodido no movimento. Como a reforma agrária e melhores condições de trabalho e vida. Mais uma vez ficava demonstrado o papel das mobilizações e indignações sociais para a melhoria, para que tais medidas acontecessem. Garantia-se assim, em âmbito nacional, um estado mais centrado no bem estar, que usasse de sua amplidão e força para que gerasse relações sociais mais justas. Em 1919, após perder a primeira guerra, foi estabelecida uma nova constituição para a república de Weimar, que era o que a Alemanha havia se tornado. Nela, havia também a garantia de direitos sociais e acesso a educação. Estava-se estruturando o estado como protetor de normas e direitos. Foi revogada com a ascensão do nazismo em 1933.
Em época muito próxima, ocorreu o maior evento que marcou e definiu o século XX: a revolução russa. Nela, se tinha como objetivo a mudança do regime político capitalista para o socialista, tendo sido feitos alguns processos para isto. O líder Vladimir Lênin, vendo os problemas que estavam surgindo, adotou outra política, intermediária, a NEP. Através dela, se buscava manter algumas formas de manter uma parte do excedente de trabalho com aquele que produzisse. Não era propriamente semelhante ao estado de bem estar, mas buscava lidar com realidade que surgia naquele contexto. Uma organização política e econômica que queria organização social. Posteriormente, muita coisa mudou entre os soviéticos.
Mas, por excelência, o grande teórico deste modelo de economia é John Maynard Keynes, que estruturou a ideia do capitalismo como algo que devia ter crescimento promovido pelo estado. Este estado, com o crescimento, reverteria bons resultados para seus cidadãos, através de alguma distribuição e garantias sociais, bem como maiores criações de emprego. Essencialmente, é um estado capitalista, mas que consegue reverter alguns de seus pontos para um bem estar coletivo maior. Estados Unidos fez a aplicação desta política após a quebra da bolsa de valores. Conseguiu recuperar boa parte de sua economia, também fazendo mais políticas sociais. Este modelo ficou mais vigente em boa parte do capitalismo, principalmente EUA e Europa. Também funcionava como algo que enfraquecia as ideias socialistas, pois benefícios e qualidade de vida eram organizados através destas políticas, com uma qualidade de vida. Gerando sensações de bem estar e distanciamento de mudanças sociais. Foi também feita em momentos específicos na América Latina, como no México de Lázaro Cárdenas, Brasil de Getúlio Vargas e Argentina de Juan Perón.
É um modelo de gerência que tem sua força, garante alguma estrutura e melhor qualidade de vida. Neste sentido, se torna algo que pode manter seu valor através de amenizar os problemas e desigualdades do sistema. Também sempre se renova por causa das demandas e processos sociais que são feitos. Os problemas sentidos criam revoltas que resultam em medidas de bem estar social. Com todos os defeitos e dificuldades de se fazer sociedades e relações sociais mais justas e saudáveis, as medidas que podem ser tomadas devem ser sempre buscadas e priorizadas. Assim, consegue-se interferir diretamente na realidade, gerando resultados na mesma. E levar a sociedades e organizações cada vez melhores. O estado de bem estar social é a garantia de manter alguma qualidade e prosperidade.