Autor: Pedro Fagundes de Borba
Uma das melhores tiras de quadrinhos é, sem dúvida, Calvin e Haroldo. Criadas pelo americano Bill Watterson terminaram sendo basicamente a única criação deste. Escreveu e publicou, nos EUA, entre 1985 a 1995, lançando em jornais. Pois, após parar de publicar as tirinhas, praticamente nada mais lançou. Nesta obra prima dos quadrinhos, criou uma das duplas mais memoráveis e carismáticas das HQS. Quando são criados grandes personagens, as histórias ficam marcantes, porque a qualidade passa a ser influenciada pela personalidade que o autor insere em suas criações. Não que o autor seja necessariamente daquele jeito, mas consegue inventar e fazer personagens da maneira que os coloca nas histórias.
Watterson criou como personagem principal um menino de seis anos, Calvin. Um garoto que é muito genioso e encrenqueiro. Nas histórias, está sempre em situações nas quais mostra seu jeito e as suas ações. Junto com os seus pensamentos. As histórias são situações infantis, com personagens crianças. Porém, diferente de Snoopy, por exemplo, aqui há adultos participando diretamente. Nas tirinhas do beagle, até sentia a presença de personagens que eram adultos, mas eles nunca apareciam diretamente. Já em Calvin e Haroldo, eles aparecem diretamente e possuem personalidade e desenhos bem definidos. Nem todos têm os nomes revelados. Os pais de Calvin não. E muitos dos que têm se conhece apenas os sobrenomes, pois são sempre senhor ou senhora.
Mais do que outros autores de tirinhas que usavam crianças, o autor conseguiu criar personagens muito fascinantes e complexos. Mesmo os pais do menino têm personalidade, tem camadas e complexidades. Há uma ótima maneira de mostrar a relação entre eles e Calvin. Não é uma fácil, por causa do jeito do personagem, que é muito metido e curioso, sempre explorando coisas novas e fazendo as suas. Apesar de não terem nomes definidos, são muito complexos. Há um amor forte por Calvin, mas dificuldades em lidar com o jeito dele, criando ótimas situações.
Já o Haroldo é o tigre de pelúcia, que é um dos amigos do menino. Para Calvin, ele é vivo. Embora, em alguns momentos, parece interferir no cenário, o que dá a impressão de ser vivo mesmo. Através dele, temos os melhores e principais momentos das tiras. Onde Calvin fala algo, muitas vezes imaturo e impensado, e Haroldo responde, de maneira sábia e sarcástica. As coisas que falam são muito inteligentes e bem escritas em si também, pois são discutidos temas sérios e profundos. Mas muito bem inseridos e contextualizados no universo das crianças e nas personalidades de Calvin e Haroldo.
Para bem explicar todo este aspecto, é importante falar das referências. No original, em inglês, o nome do Haroldo é Hobbes, uma citação direta de Thomas Hobbes. Um filósofo político famoso por sua visão pessimista sobre a natureza humana e defesa de um governo que fosse inquestionável. Já Calvin é uma referência a João Calvino. Teólogo protestante que criou o calvinismo, uma das maiores vertentes do protestantismo. Por ser mais solto e cheio de imaginação, além de um tanto bagunceiro e desavisado, há a referência no menino, especulando sobre os cenários. Ao passo que, por ser mais pessimista e realista Haroldo termina sendo Hobbes, como alguém colocando suas visões mais realistas na questão, rebatendo o menino. Misturando estas referências com várias situações filosóficas colocadas ao longo da tirinha, em seus contextos, cria momentos hilários e muito espertos. As tiras ganham uma grande inteligência neste jogo.
Bill Watterson foi o autor que melhor conseguiu criar e retratar a criança na arte. Colocou um personagem que tem a ingenuidade e inocência da fase, mas em sintonia com o mundo e as situações. Mas, e principalmente, inteligente, que tem observação e sente a vida. Com isso, vemos um menino genioso e imaginativo encarando o que aparece como criança. E sendo rebatido e complementado por seu tigre. Com algumas filosofices inseridas. Um ótimo quadrinho que faz a gente ver, pensar e gostar. Poucos autores de HQ atingiram tão bem essa qualidade.