Autor: Pedro Fagundes de Borba
Um dos termos que mais sintetiza e reflete sobre algumas tendências artísticas é a ideia de gosto médio. Sobretudo, que tipo de manipulação social, estética e cultural pode ser feita através da arte, fazendo não ser percebida em sua plenitude ou nos seus gostos maiores, ficando reduzida a um determinado produto. Ou uma determinada ideia, limitada, feita para o público não entender e não absorver a arte. A polêmica em torno disto é bem grande, já tendo sido amplamente discutida o que é a arte, defendendo uma série de posturas.
As maiores, as que puseram em melhores condições estes discursos são as que dizem respeito sobre se existe arte comum em todas as formas, ou então se há algum tipo que se sobressai, é superior a algum outro tipo. O que mais acaba sendo posto em jogo nestes casos, direta ou indiretamente, é a representação da arte, aquilo que é colocado através dela e de suas qualidades. Para isto, se levantam vários fatores. O principal é o que a arte representa; o que consegue colocar. Nas suas formas mais altas, que é que alcança?
Este ponto do debate traz a tona diretamente a ideia do que é possível conhecer e sentir através da arte. Por isso existiria a alta arte, através da qual se atingiriam os sentimentos elevados, permitindo ou leitor ou aquele que aprecia a arte da maneira que for conhecer estas verdades, estes sentimentos. Assim, se tornaria uma pessoa mais completa, mais capaz de entender e apreciar a vida. Logo, essa seria a arte em sua essência. Em contrapartida, existiria uma arte mais baixa, uma espécie de charlatanismo artístico. Um determinado artista iria pegar alguma coisa que chama a atenção, fazer de um jeito mais fraco, sem atingir a excelência artística. Por causa disso, ficaria mais comerciável, mais fácil, rendendo sucesso financeiro. Enganaria o público e faria com que esse não sentisse a grandiosidade da arte.
Mas, ainda assim, haveria um gosto ali presente. E que refletiria aquilo pensado e sentido por quem viu. Neste ponto, a ideia do gosto médio entra com uma força bastante considerável. Foi cunhada por Ariano Suassuna, dramaturgo, romancista, poeta e professor brasileiro. O autor de Auto da Compadecida via principalmente esta tendência ao gosto médio dentro de um projeto, de um tipo de gosto feito para controlar o público através da estética, da arte. Puxar-se-ia apenas conceitos pequenos, que impediriam de ver as coisas mais fortes e profundas. É pior do que mau gosto, pois havia gênios com mau gosto, como Balzac e Shakespeare. Este mau gosto seria capaz de trazer as tonas grandes e complexos sentimentos, bem como ideias. Os quais dariam o sentimento e a necessidade artística colocadas.
O gosto médio, por sua vez, não produziria este mesmo tipo de sentimento. Seria apenas algo mediano, que daria uma balançada no que é efetivamente o efeito e o sentimento artístico, mas não faz sentir de verdade. Suassuna via este gosto médio principalmente na cultura de massas, em artistas como Madonna, Michael Jackson e banda Calypso. O gosto médio tem essa característica muito particular de que se torna uma arte fraca, que não maravilha ou horroriza quem assiste. Serve apenas como mecanismo cultural, com resultados culturais e políticos, que levaria as pessoas a ficarem com uma turva e rasa visão do que é a arte. Como a grandiosidade da arte é gigantesca, capaz de mexer com as pessoas em camadas que mais nada consegue, alguma coisa sobre ela precisa ser dita e apresentada. Para suprir esta necessidade, mas não romper com uma apatia, faz-se uso do gosto médio. Que remete a algumas das grandiosidades artísticas, mas não chega lá. Fica apenas superficialmente mexendo nas pessoas, afastando o máximo possível do grandioso e belo da arte.
Suassuna destaca o gosto médio como a pior coisa que existe. Justamente por isso, por fazer este processo de desensibilização artística nas pessoas, facilitando sua dominação. Tendo como sua principal inspiração a literatura de cordel, a cultura nordestina sertaneja e os romances ibéricos, de Portugal e Espanha, tinha uma complexa e sofisticada visão artística. Engrandecida por sua formação, tendo sido professor de filosofia e estética por mais de trinta anos em universidade de Recife. Nessa visão estética, conseguia compreender o que a cultura de massas, sobretudo dos EUA, fazia através de artistas como Michael Jackson e Madonna. Valorizava, via a necessidade de uma arte que refletisse o Brasil, associada com uma grande habilidade artística. Era um admirador de Herman Melville, o autor de Moby Dick.
No caso, criticou muito o movimento manguebeat, feito nos anos 1990. O provinciano movimento liderado por Chico Science (Chico Ciência, no dizer de Ariano) era uma marca grande do gosto médio. Baseado numa suposta provocação americana, mais ou menos juntava a cultura recifense com os beatniks americanos. Mas se tornava apenas uma coisa mediana e vazia. Não absorvia direito a questão beat nem colocava a cultura da cidade em sua forma. Apenas ficava numa subversão vazia, movida a gosto médio. Suassuna gostava muito de Chico, mas achava o movimento muito ruim, não vendo como uma coisa contribuía a outra.
O gosto médio é real enquanto fator de diminuição da arte, de alienação dela com relação ao público. Não se trata de uma arte feita com menos rebuscamento, é algo milimetricamente planejado para dominação e alienação daquele que assiste ou consome da forma que for. Mas só funciona porque pega algo real, presente no público. Esta pequena dose pode acabar significando algum ponto artístico relevante. A arte é fraca, média, mas precisa de uma pitada de grandiosidade para funcionar, sem passar desta dose. E aí saber ver além desta pequena parte é fundamental para se conseguir entender e apreciar. Posso não ser tão radical quanto Ariano Suassuna nestas questões, mas sem suas ideias, sintetizadas no movimento armorial, não teria a sensibilidade artística e a capacidade de entendimento que tenho.