Autor: Pedro Fagundes de Borba
Ao contrário do que dizem, por exemplo, os anarquistas e suas várias vertentes, são impossíveis a organização humana ou societária sem um estado. A teoria e as ciências políticas já sendo mais antigas, sendo pensadas desde os contratualistas, sem falar nos livros de Maquiavel, tiveram aprimoramentos e novas interpretações, especialmente a partir do século XIX. Muito desta mudança e novas visões vêm do surgimento de uma nova ciência, a sociologia, elaborada a partir do século XIX. As duas visões sobre estado mais marcantes que surgem, são a positivista, elaborada a partir de Comte, e a marxista ou socialista científica, elaborada por Marx e Engels.
O positivismo falava sobre o estado como uma espécie de entidade própria, algo gerido e governável por si mesmo e pelos preceitos científicos inquestionáveis, cientificistas. Sua filosofia se baseava muito também na religião da humanidade, dos revolucionários franceses, que pregavam a religião como irreal, mas capaz de integrar e reunir pessoas, uma necessidade social real. A ciência, então, devia ser a própria religião, explicando o universo e unindo as pessoas. O estado então devia, orientado pelos princípios gerados a partir do método científico e suas descobertas, governarem-se baseado numa forte organização institucional. Seria então uma sociedade organizada, equilibrada, científica e feita de características próprias, gerada a partir dos seus problemas, contradições e soluções.
Em parte inspirado pelas ideias positivistas, Marx começa a elaborar suas interpretações a respeito dos estados e, principalmente, do capitalismo. Seu método, chamado de marxismo, tem o nome mais completo de materialismo histórico dialético, por ter base numa análise material dos eventos e fatos históricos. Identificou então no estado uma forma de organização da classe dominante, ou seja, uma maneira que os poderosos tinham para manter seus interesses, através dos mais diversos jogos. Com um antagonismo existente então entre setores das sociedades, era questão de tempo até a parte explorada se revoltar e fazer revolução, gerando um novo estado, governado pelas características desta nova classe.
Uma vez que o marxismo pressupõe as bases sociais como resultados de contradições sociais e de explorações, vê no estado pura e simplesmente um instrumento dos dominantes, dos opressores sobre os oprimidos. Sendo assim, a revolução sempre se faz necessária, porque dela resulta-se novas estruturas e novas relações sociais, normalmente um pouco menos opressora do que a anterior. Então as instituições nada mais seriam do que representações deste poder, incapazes de conduzir mudanças ou representar o povo.
Isto é um erro grave do marxismo, uma vez que reduz o estado e as instituições a uma simples manipulação e controle de relações sociais, levando toda a dimensão de organização a redução quase completa. A organização social possui dimensões fortes de poder e dominação, entretanto é, também, a própria organização da sociedade. A partir de suas características e condições, muito influenciadas também por história e cultura, se estruturam civilizações, países e povos. Portanto, é algo vivo e feita de si própria, condutível e modificável, permitindo vários fatores e ações a partir de suas instituições.
No início dos anos 1880, surgiu, no Rio Grande do Sul, o Partido Republicano Rio-grandense (PRR), que, junto com outros movimentos nacionais, buscava o fim da monarquia, a proclamação da república e o abolicionismo. Entre seus membros estavam Ramiro Barcelos, Aurélio Veríssimo de Bittencourt, Borges de Medeiros, Venâncio Aires e, principalmente, Júlio de Castilhos. Este último foi o principal líder e articulista do partido e suas ideias, tornando-se a principal liderança e uma peça central na política e organização gaúcha. Suas ideias foram também influentes em nível nacional, ajudando a assumir muitas das posturas do Brasil. Após a proclamação da república, em 1889, os estados começam a agir de acordo com a nova política. Castilhos é, em 1891, presidente do RS, saindo no mesmo ano, retornando em 1893, ficando até 1898. Foi também o principal autor da constituição estadual, onde disseminou grandemente o positivismo.
Sua grande inspiração para estes modelos de estado vinha principalmente das teorias sociais que surgiam baseadas nas teorias de Comte, Spencer e Durkheim, visando à criação do estado como algo que tivesse controle social alto, estruturasse a vida social e fosse conduzido através de seus fatos sociais, melhorando as condições e garantindo os papéis institucionais. Reconhecido o papel e o valor do estado na estruturação e condução da sociedade, era preciso garantir que fossem geradas políticas e atitudes governamentais capazes de manter a população sob boas formas de gestão, consequentemente criando boas e eficientes relações sociais.
Ao assumir a presidência do estado, Júlio passa a adotar as medidas baseadas neste modelo, visando criar um estado forte e eficiente. Representava o PRR, no momento também chamado de Pica-Paus, posteriormente seriam chamados de chimangos. Devia ser muito organizado e, tanto quanto possível, asseado também. A organização neste formato tentou ser implementada no estado. O exemplo mais visível é a cidade de Erechim, no norte do RS, onde o centro foi construído de forma geometricamente pensada no positivismo castilhista. Tendo redigido praticamente sozinho a constituição estadual, tentou tornar o Rio Grande do Sul um espaço republicano e cientificista. Governou até 1898, quando se afastou por problemas de saúde. Faleceu em 1903. Com muita justiça, foi eleito o patriarca de seu estado, por suas contribuições políticas, suas ações e pela influência que legou aos governadores e prefeitos gaúchos posteriores, até alguns presidentes. Até hoje, é base para uma série de disposições e estruturas políticas locais.
Deixou outro chimango no lugar, o Borges de Medeiros que, entre alguma ida e vinda, governaria o estado praticamente até o fim da república velha, saindo em 1928. Mantiveram-se as disseminações positivistas, ainda que com um mandonismo mais forte, e sem a mesma eficiência e sabedoria castilhista. Conseguiu se mantiver alguma condição política, mas sem maiores movimentos ou alterações. Em nível nacional, o mais proeminente dos castilhistas foi Getúlio Vargas, que, em vários momentos de suas gestões, buscou realizar tais medidas, mesmo durante o Estado Novo. Finalmente, João Goulart e Leonel Brizola em vários momentos se referiam ou se inspiravam nas medidas políticas ou nas posições de Júlio de Castilhos, na organização e medidas do estado brasileiro.
Tomando esta doutrina como uma variação nacional do positivismo europeu, absorvendo suas características e suas ciências para a realidade brasileira, o pensamento e as políticas continuam com grande valor e relevância. Se, por um dos lados, o cientificismo revelou algumas limitações para as próprias características, vendo que a ciência responde apenas parcialmente as questões, as medidas e o tipo de estado, se não o ideal, serve ao menos de modelo para como organizar as instituições e políticas públicas. Porque a sociedade e seu estado são algo em si mesmo, uma organização com características próprias cujas ações em cima irão principalmente fazer com que estas mesmas possam ser preservadas, alteradas ou validadas, mas no processo que a constitui, em como molda e faz a vida de seus cidadãos.
Se o marxismo consegue identificar algumas realidades que existem, não consegue chegar ao organismo social, ver a composição e as bases sociais como um todo, ficando apenas na exploração de uma classe pela outra, não considerando tudo que acontece e as complexidades sociais existentes. Entendendo a sociedade como este organismo cuidando de si próprio, tanto pelas medidas de seu estado quanto pela organização de seus cidadãos, que podem exercer efeitos políticos ou trabalhar em esferas do estado, levando políticas e alterações, entende-se melhor toda a composição social. E a sociedade consegue se aprimorar e corrigir falhas, entendendo sua base e como é feita.