Autor: Pedro Fagundes de Borba
Depois de um longo tempo finalizado e mesmo exibido, o filme “Marighella”, dirigido por Wagner Moura e estrelado por Seu Jorge, chegou ao Brasil, país de origem de seus realizadores. Finalizado há alguns anos, ainda no começo do mandato de Bolsonaro, foi extremamente boicotado pelo governo, que odeia o conteúdo vinculado, e algumas decisões estéticas do diretor. Quando a ideologia governamental tinha tamanha força, era possível afastar produções que desagradassem o governo, uma vez que se tinha apoio e uma conjuntura que ganhava poder com estas bases.
Com o enfraquecimento da ideologia bolsonarista, muito por causa da má condução presidencial na aquisição de vacinas, bem como uma maior atuação de instituições, o filme está estreando. O protagonista, Carlos Marighella, foi um militante e guerrilheiro comunista brasileiro, filho de uma negra com um branco descendente de italianos. Por isso também o sobrenome. O filme foca bastante, em proporções até mesmo exageradas, este fator do personagem ser negro de alguma forma. Ainda que, tirando possíveis fatores sociais de exclusão e discriminação, isto não altere a figura histórica, a produção trouxe grande enfoque, tendo seus motivos para tal ação.
Sendo uma das figuras históricas marcantes do Brasil em seus períodos recentes, esteve inserido em ações e contextos de grande relevância para se entender o período contemporâneo. A partir dos processos e ideias revolucionárias defendidas podem compreender fatores da época e como a política ocorre, pois mostra os jogos entre as forças. Mas, para poder também ilustrar corretamente a realidade, ou as realidades, vou contar também a história de Carlos Marighella, como encarava as questões da política e em quais contextos agiu, bem como fez.
Nascido em 1911, em Salvador, Bahia, era filho de um operário e de uma ex- empregada doméstica, Augusto Marighella e Maria Rita do Nascimento, respectivamente. Foi alfabetizado jovem, aos quatro anos, tendo, posteriormente, entrado para o curso de engenharia civil. Acabou abandonando o curso para ingressar no Partido Comunista Brasileiro, PCB, em 1934, tornando-se militante profissional. Reorganizou o partido, dando algumas novas diretrizes. Já havia conhecido a prisão antes, em 1932, por um poema onde criticava o então interventor federal da Bahia, Juracy Magalhães.
É preso novamente em 1936, sob o governo de Getúlio Vargas. É preso e torturado pela polícia, chefiada por Filinto Müller. Acaba sendo solto no ano seguinte, por causa de uma medida de justiça expedida pelo ministro José Carlos de Macedo Soares, que ficou conhecida como a “macedada”. Foi recapturado em 1939, permanecendo na prisão até o final do Estado Novo, sendo anistiado no processo de redemocratização do país, junto com Luis Carlos Prestes, entre outros. Neste momento, se tornara uma figura perseguida pelo governo brasileiro, que passou a tomar suas medidas contra o militante. Tiveram-se a chance de executá-lo durante este período, não o fizeram, poupando sua vida e permitindo que continuasse agindo e defendendo suas ideias depois.
No período populista, passou quase o tempo inteiro na ilegalidade, juntamente com o PCB. Em 1946, tinha sido eleito deputado federal constituinte, mas perdeu o cargo no mesmo ano. Na clandestinidade, ocupa diversos cargos na direção partidária. Em 1954, foi convidado pelo partido comunista chinês para conhecer a recente revolução cultural da China, e foi. Mantendo-se praticamente sempre na clandestinidade, manteve orientações e direções partidárias durante este período.
Em março de 1964, ajudou a redigir um discurso da revolta dos marinheiros, um embate entre membros de baixa patente e a marinha, movimento que se aproximou do já próximo do fim, governo de João Goulart. Um de seus líderes foi o marinheiro José Anselmo dos Santos, que se tornaria o Cabo Anselmo, espião dos militares durante a ditadura. Marighella foi o redator do discurso proferido pelo cabo. Em maio do mesmo ano, já após o golpe, foi baleado e preso pelo Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), em um cinema do Rio. Foi libertado, por ordem judicial, em 1965. Então opta pela luta armada, escrevendo “A crise brasileira”, onde analisava a situação do Brasil a partir das condições de classe e a degeneração que a institucionalidade brasileira havia passado. Continuou realizando ações com o PCB, embora agora visse o partido como refratário a ação em contexto de ditadura e o criticasse fortemente por causa disto. Passou a ser considerado, então, o inimigo número um da ditadura.
O partido o expulsou de dentro em 1967, e ele fundou então a Aliança Libertadora Nacional (ANL), grupo de guerrilha que combatia a ditadura militar. Um de seus atos, no qual Marighella esteve envolvido, foi o sequestro do embaixador americano Charles Ebrick, em 1969, ação realizada em conjunto com o MR-08. O objetivo era exigir a libertação de quinze presos políticos. Assim foi feito, os presos e o embaixador foram libertados. No mesmo ano, foi morto numa esquina de São Paulo em uma armadilha da polícia, organizada pelo DOPS.
No contexto brasileiro, Marighella é certamente uma das figuras históricas capazes de ilustrar problemas e características da sociedade brasileira. Tendo começado a agir na década de 1930, ao contrário, por exemplo, de Lamarca, teve problemas já com o governo getulista. Mesmo Getúlio Vargas tendo uma posição um pouco mais aberta em relação à ideias progressistas, prendeu Marighella, embora não matou, talvez por não tiver este feito luta armada na época. Durante os anos 60, frente ao golpe, optou pela opção armada, após muito tempo conduzindo o PCB, na clandestinidade, em suas formas e formalidades de partido.
Com o endurecimento do Brasil e suas políticas, fez opção por luta armada. Ainda que tais opções não sejam bonitas e possam levar a caminhos muito diversos quando feita, em contextos de institucionalidade degenerada, como esteve o Brasil entre 1964 a 1985, acaba sendo uma possibilidade. Haja vista a falta de maneiras de se resolver institucionalmente, com o uso e características do estado democrático de direito, que, nestes momentos, encontra-se corrompido e degenerado pelas ações do exército. Que ataca o próprio país ao invés de defendê-lo, como ocorre na maioria das chamadas democracias burguesas. No caso brasileiro, ainda só aconteceu após a cassação dos direitos políticos e destruição das possibilidades de ação política. Era, portanto, uma resposta. Marighella agiu em tal contexto, com suas convicções, para ir contra as degenerações do estado brasileiro. Que, desde 1990, se encontra um pouco melhor colocado. Houve ameaças de degeneração desde então, mas ainda consegue-se manter melhor. Provavelmente, continuaremos assim um tempo. Mas o estado sempre pode se degenerar novamente, engolindo suas próprias características.