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Pedro Fagundes de Borba

Autor: Pedro Fagundes de Borba

Compadecida brasileira

27/12/2020 - Várzea Paulista - SP

      Ariano Suassuna foi, entre os vários grandes autores brasileiros, um dos que mais manifestou preocupação em encontrar o legitimamente brasileiro, em sua raiz mais pura. Tal raiz pura não significava necessariamente algo sem influências estrangeiras, fruto da colonização, mas que tivesse se incorporado ao ser brasileiro, ao menos o nordestino sertanejo, de tal maneira que se tornasse algo particularmente nosso, superando nossa admiração embasbacada por tudo que nos vem de fora. Que refletisse características nossas, não buscando se tornar uma identidade estrangeira, mas características semelhantes para nos identificarmos.

    Duas de suas grandes inspirações para tal foram o catolicismo e a literatura de cordel, esta forma de escrita popular da qual tirou material para suas obras eruditas, principalmente as de Leandro Gomes de Barros. A mais conhecida e querida pelo público entre suas obras é a peça “O auto da Compadecida”, lançada em 1955 e até hoje uma das melhores peças do teatro brasileiro.

     Nela acompanhamos João Grilo e Chicó, sertanejos pobres que sobrevivem da maneira que podem no momento. João Grilo é astuto, bom de fala e persuasão, mas também teme a Deus e busca o bom, enquanto Chicó é mais imaginativo, quase ingênuo, sempre acreditando no que vê, não sabendo, somente que foi daquele jeito.

       Na história, começamos pouco após João Grilo parar de trabalhar na padaria do padeiro e sua mulher, tão egoístas que, para o cachorro, único ser por quem a mulher manifestava legítimo amor e consideração, davam até carne passada na manteiga, mas nada para João Grilo. Por sua astúcia, havia tentado convencer anteriormente a batizarem o cachorro, que não aconteceu. Ela é adúltera e ele corno apaixonado, o que marca vários momentos em que aparecem.

   Agora que morreu, a mulher quer um enterro cristão ao cachorro na igreja, vão convencendo Padre João e o bispo entre ameaças, pelas relações que a padaria tem, e oferecimento de dinheiro. No fim, se enterra. Grilo ainda tenta enganá-la com gato que descome dinheiro, não funciona.

        Pouco depois, como já esperavam, a cidade é cercada por Severino de Aracaju e seu parceiro Cabra, cangaceiros que atacam a igreja, matando todos, menos João Grilo e Chicó. João consegue fazer Cabra matar Severino ao convencer o segundo de que poderia reviver com toque de gaita, assim conheceria o padim padi Ciço e voltar. Acha que Cabra morreu também, mas este o mata, morrendo em seguida, Chicó ficando sozinho.

         Os mortos vão então para o julgamento divino, conhecendo o Diabo em sua forma conhecida, para descobrir que este era servo de Encourado, o verdadeiro Diabo. Vem Jesus depois, um negro retinto que causa espanto em Grilo, que é perdoado por Manuel, como também é conhecido, por não saber destas características.

         Vendo que o Encourado, que quer todos no inferno, é forte, Grilo convoca a Compadecida, o Diabo dizendo então que mulher em tudo se mete. Com sua força e sabedoria, ela consegue reverter, mandando Severino e Cabra ao Paraíso, pois eram pessoas boas que enlouqueceram após a família ser assassinada por policiais, faz com que João Grilo reviva por seu valor e manda os demais ao purgatório, por seus pecados e suas fraquezas. João Grilo e Chicó voltam então a vagar.

           Falando destes personagens nordestinos, percebidos pelos escritores populares, num país formado por uma cultura fortemente católica e Ibérica, Suassuna mostra muito forte o Brasil nordestino, Brasil Real, as características de sua região, as características mais profundas, essencialmente da região, também muito brasileiras e, em sentidos possíveis, do mundo contemporâneo, características compartilhadas por pessoas de vários lugares em nosso tempo.

            Fortemente católico, principalmente compadecido, Suassuna olha para seu povo com seu socialismo divino e de inspiração em Antônio Conselheiro. Com ele e seu compadecimento, identifica as características mais profundas e o contexto em que estão inseridas, no Brasil árido e seco do sertão nordestino suas pessoas, quais são os que ali vivem e como são. Com isto, os representa mostrando os aspectos da vida ali, uma forma humana brasileira. Invocando a Compadecida, impede o Diabo de infernizar a tudo, mostrando o que o compadecimento permite ver nas pessoas. E sendo assim, mostra o Brasil e seus caminhos.

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