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Pedro Fagundes de Borba

Autor: Pedro Fagundes de Borba

Na hora de comer

10/5/2020 - Várzea Paulista - SP

  Clarice Lispector foi uma autora extremamente densa nas profundidades da vida. Com suas fortes habilidades ,uma grande dedicação enquanto viva, conseguiu alcançar níveis de retratos de consciência pouco vistos em outros autores. Em seus retratos de momentos de epifania, conseguiu abarcar vários aspectos de se viver, de se estar vivo. Também falou de momentos simples com complexidades grandes, como algumas cenas de criação de filhos pequenos. É o caso do conto de hoje, “Come, meu filho”, integrante da coletânea “Felicidade clandestina”.  Discussão sobre pratos, o que vai neles e porque comer vai para vários lados.

  Falava sobre o redondo do mundo, parecia chato, mas não era. Era redondo porque disseram, parecia chato porque sempre que se olha o céu está em cima, nunca embaixo ou dos lados. Sabia que era redondo, mas para si era chato, apenas Ronaldo sabia que o mundo é redondo, pra ele não parecia chato.

  Estivera em muitos países, onde o céu também era em cima. Ronaldo nunca havia saído do Brasil e podia pensar que só aqui era em cima, só é chato no Brasil, nos outros lugares, que ele não viu, vai arredondando. Dizendo pra ele, era só acreditar, nada precisava parecer. Perguntou se a mãe preferia prato chato ou fundo. Raso, ela respondeu.

  Ele também. No fundo parece que cabe mais, mas só para o fundo. No raso, vai pros lados e se vê rapidamente tudo que tem. Pepino parece inreal. Irreal, ela corrigiu. Por que achava, ele quis saber. Se ele dizia. Não, era se o pepino parece inreal.

 Com seu jeito, não parece coisa inventada?

 Parecia.

Onde tinha sido inventado o feijão com arroz? Aqui.

 Comentou que, na sorveteria Gatão o sorvete era bom porque tinha gosto igual da cor. Quis ele saber também se carne tinha gosto de carne. Às vezes. Queria saber era da carne pendurada no açougue. Não. E nem da que eles falavam, não tinha gosto de quando ela falava que carne tem vitamina.

  Não falasse tanto, comesse. Mas estava olhando pra ele daquele jeito, mas não era pra ele comer, era porque ela estava gostando muito dele. Acertado. Comesse.

  Disse que ela só pensava nisso. Falou muito para ela não pensar só em comida, mas ela ia e não se esquecia.  

  O momento era assim. Um momento vivo que acontece, por onde passa vida, o que nos cerca. É um dos muitos da vida, a ordinária, a passagem real do tempo, em aspectos materiais e metafísicos, o simples correr temporal com tudo que tem no universo conhecido com possibilidade para lugares e espaços não conhecidos, bem como características humanas e seus costumes, dentro dos entendimentos humanos. O que se entende por vida corre ali, num momento quase banal.

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