Autor: Pedro Fagundes de Borba
Existem aspectos da sociedade ocidental que, por sua sensibilidade e marginalização, apenas mulheres heterossexuais e homossexuais em geral foram capazes de perceber. Vividos sob tais condições, muitas vezes odiando quem eram, outras vezes vivendo se valorizando, foram fazendo seus retratos, existindo na vida. Ao longo de vários tempos, escritores com estas condições deixaram obras escritas que foram para posteridade, sendo lidas ainda hoje. No caso brasileiro, o autor, homossexual assumido, Caio Fernando Abreu, foi um dos que permanece na posteridade, embora não tenha falado tanto sobre a condição de sua sexualidade na literatura.
Conta, começando com Gladys, duas mulheres se narrando. A primeira é loira, trintona e gostosa, só usando as expressões consigo mesma. Contém os sustos que afoga o peito quando escuta Anísio Silva, Gregório Barrios ou Lucho Gatica, pois é também moderna e extrovertida, das que ficam até o fim e depois dos coquetéis. Feita para saborear doçuras. Secretária eficientíssima. Jamais foi uma loura óbvia demais. Os caçadores experientes sabem. A cigana havia visto dois sinais sobre amores, um passado, o escoteiro para quem serviu, muito atrás, de primogênita, resultando em longos períodos de crise posterior. O outro ainda viria, um grande descobridor. Investiga os que se aproximam dela.
A outra é morena e magrinha, mais britânica em sua morenez, chamada Liége. Coração gestado numa áspera charneca, passou os invernos tentando descobrir um caminho sobre a neve que transformasse os outros num único descaminho gelado e sem porto. Pouco sabe de mancebos e malícias, o precário aprendizado limitado à gosma gelada que um estudante depositou entre suas coxas virginais. Prefere cheiros fanados. O cheiro animal não saía, mesmo após limpar para ter certeza de que não havia maculado suas entranhas, deixada sangrar várias horas. Muito suave. Quase sempre usa branco. Secretária que datilografava sem medo. Recebe modesta os elogios, vai ao banheiro duas vezes, saída e chegada,cruza os braços quando não há serviço ou abre um livro de poemas líricos. Uma cigana localizou dois amores em suas linhas, um já passado. Localizou com amargura o estudante. O outro por chegar. Deste então, se desconhece. Sente que busca o prometido e odeia esta inquietação febril.
Este conto, “Fotografias”, está na segunda parte de seu mais aclamado livro “Morangos Mofados”, uma sessão intitulada “Os morangos”, onde conta histórias sobre delícias fascinações de seu tempo, ainda resistentes ao mofo, por exemplo, da ditadura militar brasileira. Não necessariamente escapam disto, mas ainda guardam algum frescor, valendo a pena viver, ou simplesmente se fascinar com elas. Como escritor que é, profundamente ligado com as questões literárias, Caio se fascina sobre, levando a sensível alma ao mais extremo que consegue entender, o que lhe engrandece. O autor gay anda sobre o mundo, vivendo.