Autor: Pedro Fagundes de Borba
O folhetim é uma das formas narrativas mais cativantes, mais fortes no se prender a atenção. Sendo aperfeiçoado no século XIX, herdeiro de antigas formas de narrativas populares, como as novelas de cavalaria inspiradoras de Dom Quixote, é referência e base da literatura Best-seller do século XX pra cá, tendo muitas formas e ideias em comum. Além do estilo simples e fluído, outra característica essencial para seu sucesso é seu conteúdo, o que este abarca, mostra, geralmente pegando alguma ideia enraizada profundamente no senso comum, capaz de fazer boa parte da população se identificar, nem que seja uma ideia que deve ser desmentida. Um dos maiores folhetinistas de todos os tempos, francês Alexandre Dumas, escreveu, além de enormes romances como “Os três mosqueteiros” e “O conde de Monte Cristo”, contos com este estilo, usando toda sua habilidade mestra nisto. Vou falar sobre “Nicolau, o filósofo”.
Servira por sete anos um amo. Querendo voltar para viver junto da mãe, pediu o pagamento. Pela inteligência, fidelidade e probidade, recebeu ele uma barra de ouro pesando, desafogadamente, cinco ou seis libras. Com o lenço que tinha no bolso, amarrou na perna. Foi andando, aquilo pesando. Encontrou um homem a cavalo, que vinha na direção oposta à sua. Nicolau, sentindo o peso, comentou como era bom ter um cavalo. Perguntou por que caminhava a pé. Disse que levava na perna uma barra de ouro, tão pesada que não sabia porque não a jogara no valo ainda. O cavaleiro sugeriu uma troca. Aceitou. Tinha reclamado das dificuldades de montar, o cavaleiro explicou como fazer. Mais na frente caiu.
Após derrubá-lo, o cavalo saiu correndo. Foi segurado pela rédea por um camponês que ali passava. Tinha uma vaca, que Nicolau queria por causa de queijo, leite e manteiga, além de não precisar montar, mas ir atrás. O camponês sugeriu uma troca, que foi feita, indo com o cavalo. Foi atrás dela. Numa estalagem parou e comeu o que trouxera da casa do amo, pão e queijo. Com as duas moedas que tinha no bolso, bebeu cerveja. Perto do meio dia, andando, sentiu sede com o calor. Resolveu ordenhar a vaca. Amarrou em um arbusto seco e colocou o boné debaixo do ubre. Nada tirou. Cru no assunto, a vaca estranhou e lhe tacou um coice. Ele ficou rodeando. Passava um salsicheiro.
Após beber um pouco, perguntou ao salsicheiro porque a vaca não dava leite. Não querendo dizer que por ele não saber ordenhar, disse que era porque era velha. Não servia mais para nada. Nicolau ficou na dúvida se podia carnear ou não. Nem pra isso, disse. Nicolau comentou como ficaria melhor com um porquinho, como o do salsicheiro. Trocaram. Encontrou, pouco depois, um moço com um ganso cevado debaixo do braço. Nicolau falou sobre as trocas que fizera. Ele disse que levava o ganso para uma festa de batismo. Disse que ele parecia uma boa pessoa. Comentou sobre, do povoado de onde estava vindo, ter alguém roubado um porco como o que ele trazia. Podia ser perigoso ir pra lá. Por segurança, trocou o porco pelo ganso e foi. Pensou que a mãe ficaria satisfeita com a carne de ganso. Encontrou um homem que trazia algo preso dentro do lenço no pescoço. Perguntou o que levava ali. Nada, disse. Confessou depois ser uma perdiz. Nicolau falou do ganso, ele perguntou quando pretendia comê-lo. Na outra noite, com a mãe. Desejou bom proveito. Percebendo o sarcasmo, quis saber o por que. Disse que porque o ideal era comê-lo aquele dia. Explicou que gansos devem ser comprados vivos e mortos quando quiser comê-los. Quis trocar com a perdiz, aceitou apesar da carne. Caminhando, encontrou um afiador ambulante. Contou as trocas e disse que teria de estabelecer alguma forma comercial quando chegasse à casa da mãe. Perguntou se era difícil aquele trabalho, disse que não. Trocou por uma das pedras.
Após andar com ela debaixo do braço, foi andando, julgando que nascera empelicado, bastava desejar e o desejo era realizado. Após uma ou duas léguas, em sobrecarga com o peso da pedra e com estar andando desde o começo do dia, bem como a fome. Tinha de parar o tempo todo. Parou perto de uma fonte. Matou a sede, pondo o rebolo na beira da fonte e bebendo, alegre. A pedra se soltou, tentou agarrar, empurrou-a e foi ao fundo. Considerou que Deus anunciara sua bondade para ele, o livrando de tanto peso. Aliviado de qualquer carga, mãos e bolsos vazios, coração alegre, retomou o caminho da casa da mãe.
Dumas conta de maneira simples a história de um personagem simplesmente inacreditável, ainda que plausível, um dos grandes trunfos do folhetinesco e das narrativas populares. Embora não se acredite na possibilidade de alguém ser assim, percebe-se internamente ser possível, o que atrai as atenções. Junto com as maneiras de narrar, representante de uma visão de mundo imortal, que nunca morre, o texto fica atraente, possível de ser lido por todos, diz algo que atinge todo mundo, sempre bom de ser vistos em publicações diárias.