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Augusto Branco

Autor: Augusto Branco

SOBRE VIDAS QUE SE CRUZAM

1/8/2012 - Várzea Paulista - SP

     Tentar descrever os acontecimentos diários que a vida me presenteia tem sido um grande desafio, maior ainda quando desconhecidos tornam-se protagonistas de histórias transformando minha vida num enredo sem final certo. Mas o grande barato mesmo está na impossibilidade de prever tudo isso. Cada pessoa, cada gesto transforma-se numa nova história, num novo mundo.

   Você passa horas planejando seu dia, seu futuro, e de repente tudo muda abruptamente, e nada acontece como fora planejado. Foi assim naquela tarde de sol imponente quando o pneu de meu carro furou, e a partir daí tudo saiu da rota traçada.

   Na procura por consertá-lo acabei me deparando com Francisco, um senhor de aproximadamente 50 anos. O rosto marcado por inúmeras rugas deixava transparecer um cansaço de horas naquele sol de 40 graus. Mas o sorriso e a humildade faziam o rosto dele irradiar uma juventude que não correspondia ao aspecto físico.

  Francisco presenteou-me com uma história encantadora, simples, mas completamente ímpar, única, arrebatadora.

    Nunca ter casado não significava problema algum para ele, a vida havia lhe ensinado muita coisa. Sair viajando o Brasil durante anos, cruzando cidades, conhecendo pessoas e vivendo momentos inesquecíveis. Assim tinha sido a vida dele durante muitos anos.

   Não acumulou muito dinheiro, mas isso não importava muito. Vivia humildemente, mas dentro daquele mundo ele era feliz, cada dia significava muito para ele. E trabalhar ali, trocando pneus, também,fazia da vida um mundo de possibilidades a cada momento. E Francisco tinha muitas histórias para contar.

    De todas que ouvi, chamou-me atenção um acontecimento do último dia 24 de dezembro. Ele vestiu a melhor roupa, saiu de casa cedo e dirigiu-se a um restaurante para encontrar os companheiros do trabalho. A confraternização de Natal significava muito para ele.  Chegando ao local, foi proibido de entrar ao ouvir do garçom, que estava na porta do restaurante, que ali não era lugar para ele.

    Imensamente triste Francisco retornou para casa. Não revidou, não desejou mal ao desconhecido. Apenas não entendia por que uma pessoa poderia ser julgada por sua roupa ou cor...

    Depois de muito conversar, da prontidão em consertar o pneu de meu carro, Francisco agradeceu pela conversa. Mas eu corrigi suas últimas palavras: “Eu que agradeço a oportunidade de ouvir suas histórias...”.

 

Amilton Costa é cirurgião-dentista, Mestre em Saúde da Família e autor do livro De Boca Aberta: crônicas de vidas na cadeira odontológica.

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