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Pedro Fagundes de Borba

Autor: Pedro Fagundes de Borba

Quando prefere não fazer

26/1/2020 - Várzea Paulista - SP

     Pode-se reagir de diversas formas no conhecimento da vida. Quando se tem experiência e sabe agir de acordo com aquilo que acontece, especialmente se for bom, conhece-se e percebem-se momentos complexos, ás vezes desconhecidos em outras partes da vida. O narrador de "Bartleby, o escriturário", conto de Herman Melville, diz que conhecia, por contatos próximos, os escriturários ou copistas. Mas que trocaria todas as biografias dos copistas por algumas passagens da vida de Bartleby, o mais estranho escriturário que já vira ou ouvira falar. 

     A história aconteceu quando ele foi nomeado conselheiro do tribunal de chancelaria de Nova York, função extinta na época em que está narrando. O local, uma sala comercial no segundo andar de um prédio em Wall Street, não recebia luz solar praticamente, uma janela dando para uma parede, sem nenhuma luz, a outra a uns poucos metros de distância, permitindo um fiapo de luz descendo pelas paredes por cima. Duas de suas características mais marcantes eram a organização e a disciplina, qualidades reconhecidas por outros. Tinha três funcionários, então. Turkey, mais ou menos de sua idade, andando pelos sessenta anos, calmo pela manhã, ardendo como brasa e agitado pela tarde, após a bebida do almoço. À tarde, só cuidava de documentos menos importantes. Nippers era agitado pela manhã, mal aguentando ficar sentado, frequentemente revoltado. Percebeu ser um politiqueiro, principalmente pelos homens de casacos que apareciam no escritório e deviam ser pessoas para quem ele devia, e provavelmente não era desconhecido nas escadas das prisões municipais. Ficava calmo a tarde. O terceiro era Ginger Nut, um cidadão que parecia resumir o mundo a partir de biscoitos de gengibre, o qual oferecia para os outros, algo muito necessário naquele lugar. Quando o volume de trabalho aumentou, teve de contratar mais um. Bartleby foi contratado. Tinha a aparência palidamente limpa, tristemente respeitável, incuravelmente pobre. O colocou num canto próximo à porta de sua sala, um biombo separando eles de vista, assim mantinha proximidade e privacidade. A mesa do escriturário dava para a parede a três metros de distância, de onde descia os riscos de sol por cima. 

      O escriturário, nos primeiros dias, fez trabalhos eficientes, de forma muito rápida. Um dia, quando precisava de cópias longas, um processo longo, disse para Bartleby fazer a revisão do que havia copiado. Instalado atrás do biombo em frente à sala do narrador, Bartleby disse que preferia não fazer. Isto vai se tornando constante, com o tempo esta era a resposta para qualquer função, gerando episódios desde a consulta aos funcionários sobre o que fazer, resposta variando com o período do dia referente ao perguntado, até Bartleby se trancar lá dentro, estabelecendo residência no canto atrás do biombo. Ficava extremamente irritado, se fosse qualquer outro teria mandado embora imediatamente. Mas este lhe provocava sensações diversas, uma piedade misturada com sua ira, o levando a enxergar profundas questões humanas, compreender e ver mais profundamente o comportamento das pessoas. Tentou perguntar sobre ele, ele dizia que preferia não responder. Ofereceu dinheiro para ele sair, ir procurar outro lugar, ele deixava na mesa. Ficava ali parado, focado em olhar o muro pouco iluminado depois da janela. 

     Se não conseguia tirar Bartleby dali, ele iria embora concluiu um dia, já bastante irritado com a atitude do escriturário. Alugou outra sala, em outro edifício, aonde não demorou em o novo inquilino vir-lhe reclamar sobre aquele homem que se recusava a tudo, ficando só parado. Voltou lá para tentar lhe convencer a ir para outro lugar, o que nada deu. No fim, Bartleby fora preso por vadiação, ficou sabendo. Por seu comportamento, tinha autorização para circular pela prisão, onde ficava sentado próximo ao muro olhando. O visitou, continuou falando com ele, Bartleby continuava da mesma forma, falou com o cozinheiro contratado por alguns presidiários, para que tivessem uma comida melhor, e disse para atender Bartleby, que não quis comer. Algum tempo depois, faleceu. O narrador descobriu ter ele trabalhado no setor de extraviadas do correiom queimando cartas cujos destinos não eram encontrados. Pensou mais ainda na má-sorte e condição de seu antigo escriturário. 

     Bartleby causa estranheza pela maneira com que age no mundo, sua resignação em fazer aquilo que determina, e algo tão inusitado. Se fosse arruaceiro ou alguém mais liberto, alegre, chamaria a atenção como quem é vagabundo. A maneira como age, principalmente para o narrador, entretanto, desperta sentimentos profundos, pensamentos densos sobre os seres humanos, suas formas, jeitos de ser e formas de se organizar. Olha para ele, que lhe gera estes pensamentos, por todos os processos cíclicos que rompe. A outros, por sua vez, é apenas vadio mesmo. Como outras pessoas, chama a atenção pelo jeito de ser, que faz questionar caminhos, jeitos de ser e as relações sociais. 

    

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