Autor: Pedro Fagundes de Borba
Existem, na vida, momentos, aonde, muitas coisas se confundem, gerando sensações momentâneas capazes de representar a totalidade da vida, se interpretar completamente ali, conhecer, sem saber palavras, os porquês de viver, sobretudo em oposição ao recente momento anterior. Como parte de cotidiano, um momento ocorrido simplesmente, mas com retratos capazes de perdurar, no caso desta história, por ter sido algo de visão pesada, na vivência da vida, torna-se material extraordinário para alguma crônica, a ser lida em um momento de viver lento e manso, como a leitura do portal, querendo absorver alguma coisa. Um dos maiores cronistas de todos os tempos, o brasileiro Rubem Braga, foi também capaz de fazer isto em conto, "Um braço de mulher". Contar um momento banal que, por motivos completos, tornou-se algo grandioso, ultrapassando mesmo o prazer conhecido de acontecimentos como o retratado.
Tinha subido ao avião com indiferença, dado um olhar distraído para o Rio de Janeiro. Olhou as nuvens, feias, e foi sendo dominado pela sonolência. Até que uma senhora ao seu lado lhe disse que o avião não conseguia descer, já haviam chegado a São Paulo, procurando um lugar para descer do nevoeiro. Ela se abanava de nervosa, com uma revista, ele lhe deu seu jornal. Agradeceu. Ficou ocupado cerca de meia hora naquele nervosismo. Viu que havia uma amiga dela em outro banco e quis trocar. Ela disse que o preferia ali, o senhor. Na hora, se sentiu um cavalheiro, justamente por haver vários homens no avião além dele. Agarrou-se a seu braço, não por ele, mas por serem o do homem, misteriosos atributos de força e proteção.
A aeromoça veio tentar acalmar a senhora, com as preparações e o sorriso treinado para assim. Mas era uma funcionária. A nervosa a via basicamente como uma cúmplice da companhia, fazendo uma atividade hipócrita. A senhora que, com o ar de désdem e solene, disse suas más criações para a aeromoça, se agarrou totalmente nele, usando toda a sua força. Os movimentos do avião, que não pousava, continuavam. A cidade de São Paulo continuava lá embaixo, indiferente ao grupo naquele avião. Ele se lembrou de quando chegou moço, sem conhecer ninguém e com trinta mil réis.
Enquanto ele sentia prazer com a visão de não haveria mais nada, as criaturas e coisas que tinham poder sobre ele haviam se apagado, a mulher lhe fazia perguntas. O avião descia. Durante os acontecidos, notou que ela tinha um braço belo, harmonioso e musculado. Olhou desde o forte ombro até as mãos de dedos longos. Veio então a saudade da terra, da beleza humana e do amor. A morte perdeu o gosto. Os torpores de antes pareceram doentios, então. O gesto pareceu inquietar a senhora. Ele queria voltar para o chão.
Enquanto pegava a mala nas bagagens, viu novamente a vizinha de poltrona, agora com um senhor de óculos que pedia que lhe entregassem a maleta. Ele se aproximou dele de uma maneira que tentava ser cordial. Disse que ela devia ter sido incômoda, a mulher, sempre tão nervosa. "Ora, não senhor", respondeu. Saiu sem cumprimentos, como se tivesse cumprido uma função com um estranho, que devia permanecer um estranho. Viu ela lhe sorrir, imaginou que tomara cuidado para o marido não ver. Achava que nunca mais a veria, nem queria, mas que seu braço foi por um instante a própria imagem da vida.
Andando de avião, algo extraordinário para o brasileiro no tempo vivo de Rubem Braga, passava por uma situação cotidiana, ponte entre uma coisa e outra, com tudo que caracteriza estes momentos, ao passar pelas da senhora. Embora a cotidianidade dos fatos não tenha sido de fato rompida, por não ter havido acidente, apenas medos, lhe transmitiu sensações que romperam para ele e ela. O medo de morrer dela. E o não querer viver dele do qual foi salvo pelo forte braço da magra senhora, se traduzindo para algo memorável, um momento não cotidiano para ele e ela. Momentos memoráveis da viagem.