COLUNISTAS

Autor: Pedro Fagundes de Borba

Percepções, vontades, teorias e atitudes

21/7/2019 - Várzea Paulista - SP

    As percepções individuais humanas sempre dependem de uma série de fatores, não exclusivamente externos. Antes de compreender e divulgar teorias e ideias coletivas tal como são, é preciso de fato querê-las e respeitá-las. Para isso, faz-se necessário tê-las, de alguma forma, em sua vida. Tudo isso é alcançável pela filosofia, com seus pilares e criações, mas que surge a partir de pensamentos humanos que se solidificam e se moldam através dos coletivos, além de análises criteriosamente feitas, com o máximo de respeito pelas ideias totais. No indivíduo, suas percepções podem se tornar irônicas ou se ser uma pessoa irônica, por sua descarada falta de respeito pelas teorias criadas, usando as ideias unicamente para benefício próprio, distorcendo conceitos. Tudo isso pode ocorrer de forma inconsciente, nem o próprio indivíduo percebendo ou dissimulando aquilo que se sabe, dentro de sua própria loucura, planos e visões. Se difere de visões e filosofias individuais quando deturpa ideias e conceitos coletivos. Usarei V. como exemplo. 

   O personagem assim identificado é o protagonista do conto " O banqueiro anarquista", de Fernando Pessoa. Mais conhecido como poeta, pilar da língua portuguesa, também possui contos, este um. Um dos pontos mais fortes em Fernando Pessoa, o poeta e o prosador, incluindo seus heterônimos, é a percepção individual e o alcançe que estas tem, políticos, filosóficos, simbólicos, capazes de representar a visão completa do indivíduo, com falhas, com defeitos, com ignorâncias, o ponto mais alto que hei de destacar no personagem V. V é um banqueiro, anarquista. Tal forma de pensar, o anarquismo, frente aquilo que é, um banqueiro, chama a atenção de amigo seu, que o questiona, perguntando se dá para a palavra outro sentido, o que V nega, dizendo ser um anarquista completo, com a teoria e a prática. 

   Nascido em um meio operário, afirma ter, por dom natural, uma inteligência lúcida, bem como uma vontade forte. Trabalhou, como um operário comum, o menos possível, crescendo, dentro de si, por ser inteligente e discutir coisas, uma revolta contra seu destino e suas condições sociais. Aos vinte e um anos, tornou-se anarquista. Sua teoria consiste em que o anarquista é alguém revoltado com o fato de se nascer desigual socialmente, e só. Em termos psicológicos, a revolta contra a sociedade consiste nos privilégios sociais das classe mais altas, não considerando talentos naturais. Tornou-se anarquista porque quis lutar contra as chamadas ficções sociais, tudo aquilo que é imposto, não natural, estado, família, religião e dinheiro, por exemplo. Ser anarquista seria lutar contra estas ficções sem criar outras por cima. Seu amigo acha que este sistema é impráticavel. Discordando, V. continua contando sua visão. O anarquismo seria a sociedada natural, sem nenhuma ficção social, a única sociedade verdadeira, a sociedade em si. Impossível ser alcançada materialmente, somente através de propagações de ideias, pois algo só pode ser quando é, sendo, senão, outra coisa. 

  Com sua filosofia, começou a se juntar a grupos. V. se engajou muito nas ideias, defendidas. Com o tempo, surgem desentendimentos. Principalmente porque V. quer pôr firmemente sua teoria em prática. Fez questão de destruir as ficções sociais. Lutar pelo anarquismo. Preparar a revolução. 

   Começa a pensar mais em suas forças, suas vontades e capacidades. Pensa em sua própria existência. Desenvolver sua liberdade, algo natural. Após mais um tempo com seu grupo, começam a surgir tiranias internas, alguns passam a mandar, contrariando os princípios anarquistas. V então conclui ser a tirania algo tão presente na história humana que se tornava impossível não surgir, por enquanto. Logo, teriam de trabalhar separados. Sendo rejeitado ao expor estas ideias, vai embora e passa a seguir sozinho, se vendo como verdadeiro anarquista. 

   A partir de então, pensa em como pode combater as ficções sociais. Finalmente, após decidir agir pela ação prática, vai subjugar. Para isso, após afirmar ser o dinheiro a maior delas, por esta vai começar. Para se livrar de sua influência, precisa tê-lo. Enriquece sem olhar os processos que faz. Considera-se alguém que se libertou, está, de fato, na vida anarquista, sendo quem é, sem se limitar às ficções sociais.

   Usando termos e filosofias de antítese, viveu sua vida, ocupando um prestigiado cargo da sociedade, igualmente bem remunerado. Focando em suas percepções, V. é um homem egoísta, que teve vontade de se desenvolver além das, assim por ele chamadas, ficções sociais. Identificou sua trajetória com a do anarquismo, ideal coletivo diferente do individualismo egoísta deste personagem.Por ter fixo este objetivo, homem lúcido e inteligente de acordo consigo mesmo, e nutrir simpatia por ideias e alguns termos, passou sua vida assim, defendendo algo com nome oposto, fazendo de si uma figura de antíteses, sem respeito pelas teoria anarquistas ou por seus ideais coletivos.