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Augusto Branco

Autor: Augusto Branco

AMILTON COSTA: o dentista que enxergou muito mais que pacientes no consultório

17/4/2012 - Várzea Paulista - SP

Você trabalhou como dentista em consultórios públicos. Os cidadão que utilizam os serviços da Saúde Pública no Brasil reclamam que os profissionais desta área muitas vezes são frios, indiferentes e até indelicados no atendimento. Você parece ter um olhar diferente sobre os pacientes que atendeu... Há dez anos que eu trabalho com Saúde Pública. Durante todo este tempo eu exerci a profissão de cirurgião-dentista em consultórios públicos de diferentes cidades, e os pacientes me presentearam com suas alegrias, tristezas e angústias, então percebi que pessoas comuns carregam histórias magníficas, basta para isso ouvi-las. Observar todas estas pessoas que chegaram pela porta do consultório fez com que eu descesse do pedestal de detentor soberano do saber e compartilhasse muitas experiências com os pacientes. E olhar diferenciado a que você se refere se deve pelo fato de que optei por trabalhar no serviço público, pesquisar e implementar projetos na área social, e um dos aspectos na pauta de todas as questões em Saúde Pública está a humanização do atendimento. Precisamos derrubar este paradigma de que serviço público é serviço sem qualidade, gerado por profissionais indiferentes à população que busca atendimento. 

O sorriso de uma pessoa é parte importante da consolidação de sua auto-estima. Uma pessoa com um sorriso bonito e saudável é uma pessoa mais feliz. Em todos os seus anos de experiência, como você descreveria o sorriso do povo brasileiro? Durante todos estes anos estive diante dos mais diferentes sorrisos, e através de mudanças sociais e políticas que aconteceram, principalmente a partir de 2004, com mais investimentos na educação e promoção da saúde, tivemos uma melhoria significativa no sorriso dos brasileiros. Hoje, temos mais acesso e qualidade dos serviços prestados, ainda que milhões de brasileiros não possuam sequer uma escova de dentes, ou nunca tenham sentado na cadeira do dentista – e são estas pessoas que eu espero serem alcançadas pelas políticas públicas num futuro bem próximo. 

As relações pacientes x dentistas costumam ser bastante profissionais, com assuntos limitados ao tratamento dentário. Como se deu esse processo com você obtendo uma relação mais ‘íntima’ com teus pacientes a ponto de colher deles relatos de experiências de suas vidas? Este é um paradigma que precisa ser derrubado: a Odontologia individualista e extremamente técnica, para uma Odontologia mais humana e voltada para aspectos que envolvam o social, econômico, cultural, político e espiritual. Sempre gostei de ouvir as pessoas, de observá-las, e quando passei a trabalhar com Saúde Pública vi que estava diante de uma infinidade de possibilidades. Eram as mais diferentes pessoas que chegavam até o consultório, e percebi que muitas se sentiam mais seguras e perdiam o medo da figura do dentista quando passei a ouví-las e a manter um diálogo - muitas vezes rápido - mas marcante. 

Dentistas estão sempre presentes no anedotário popular. Os dentistas têm fama de garanhões. Há um que de verdade nisso? Você já sofreu assédio de pacientes ou passou por alguma situação constrangedora com maridos ou namorados enciumados, por exemplo? Sim, já passei por situações constrangedoras envolvendo maridos enciumados ou pacientes apaixonadas (os). Mas sempre agi dentro da mais absoluta ética. Claro que na hora você fica meio perdido, até encontrar o caminho da solução menos sofrível. A crônica Tortura Psicológica descreve isso de forma bem clara, os ciúmes de um marido diante de uma esposa submissa, coisa que eu pude vivenciar. 

Todas as situações descritas no livro são reais? Dentre as diversas personagens encontradas no livro De boca aberta, há alguma que você destaque em especial? Todas as situações são reais. Confesso que até eu duvidava de alguns casos que acabavam de acontecer, e logo que chegava em casa precisava escrever tudo aquilo, e em 2007 tive a idéia de criar um blog, e surgiu o De boca aberta. Muitos pacientes me marcaram profundamente. Na verdade, todos são muito especiais para mim, costumo dizer que todos os personagens me marcaram profundamente. O livro também é parte de minha vida, foi através deles, dos pacientes, que aprendi a ouvir mais as pessoas, a desenvolver minha paciência e entender que ali, na minha frente, existe um ser humano que possui uma trajetória muitas vezes negligenciada por inúmeras iniquidades. Porém, nunca esquecerei a senhora protagonista da primeira crônica do livro: ela é muito caricata, e tem uma energia tão boa, uma alegria contagiante que só de lembrar eu começo a sorrir. Marcou-me também a história de Mariana, protagonista de duas crônicas. Outro personagem marcante que cruzou minha vida foi o Carlos, que era vítima de abandono e violência familiar. Através dele vai a mensagem a todos os profissionais de saúde, principalmente os dentistas, para olharem além da boca, além do número, além da doença, e enxergar ali na sua frente um ser humano.

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